Meu amigo desconhecido, hoje é domingo, dia de sol no tropical país, onde a terra ficou seca e de veredas tornou-se sertão, depois que o homem cresceu e tornou-se dono de si, criou asas na imprudência lampião e de repente, mais que no fio da faca cortando a moranga, dizem que ouvia-se de longe durante a noite-madruga uma alma a cavalgar sozinho nos caminhos da estrada.
Quem não o via, ouvia na noite, uma entoada, um tocar, um acorde no dedilhar de pontas cruzadas de um violão sem cordas, o som que não era de viola. Os moradores que espreitavam pela fresta de suas casas, diziam que o ouviam sempre no mês de agosto, o tal cantador.
Diziam que bastava o vento passar, e se a terra do chão se soltar, logo se via o cavaleiro com a viola na mão tocar.
Capa negra sobre o costado do cavalo, negro, como também ele era, e com negro chapéu, passava dedilhando acordes, como um seresteiro cortando a agreste vegetação. Quem o ouvia não sentia medo do entoar de sua canção, não, não sentia, se não o olhasse, mas se olhasse medo sentia. Se a gente só o ouvisse, quietinho, deitado dentro do buraco feito dentro da casa sapê, onde se dormia, todos da família, encolhidinhos, sobre as folhas secas de noites deserto, ai sim, o coração se aquecia, e como nostalgia, se dormia em sonhos do dia escutando a melodia do cavaleiro a passar.
Dizem que nos outros meses, salvo dia de lua cheia que começa em dia impar, e em dia de finados e santos, ele também surgia, nos outros dias ele não vinha, morava na estrela vizinha da lua, aquela estrela que está sempre no sul da lua, como se fosse o "ponto" de um texto no romance das estrelas.
Mas olhe moço, mas que bastava o vento Iansã levantar a poeira da terra das alma de Obaluaê, que o cavaleiro descia e novamente se ouvia a tal cantoria da viola poesia.
Mas, eu tenho que falar porque eu via, eu via, e como via, não era qualquer vento, ele só descia no vento da flor que morria e quer saber como eu sabia qual morria, era aquela que despetalava mais harmonia.
Hoje não é domingo, mas que importa o dia, se ninguém em mim acredita, mas fiquem sabendo, que eu via e também ouvia a dedilharia deste velho negro tocador e cavaleiro.
Eu sei, eu sei quem era este o negro cantiga, ele era o negro da vida, da humilde vida das almas esquecida, aqui no nordeste sertão, para muitos era alma perdida, para mim não, era a proteção da minha alma esquecida, alma penada outros dizia, mas pra mim não, ele era o padroeiro de São João, era da terra esquecida, igualzinho o cemitério, não sei mas eu não tenho medo, eu respeito, no meu pedaço de chão, e outro dia mesmo eu vi o tal seresteiro, parou na porta e disse:
- Meu velho eu sou o Calunga das Almas, não tenha medo não, eu sou como você o negro Sol do esquecido sertão.
Um dia eu me pari de um ventre escuro de um porão e vivo a dor no umbigo da dor do mundo no escuro porão do sertão.
O sertão tornou-se meu navio negreiro e hoje por dentre tambor eu toco os acordes da Luanda do amor, dorme meu negro, que estou indo pra lua ensinar meus camaradas.